22/05/2009

Corrida na Serra

E então o mundo acelera MUITO rápido, só que percebo ele vindo pelo retrovisor. A adrenalina sobe e acelero junto. Primeira curva, testo o carro, jogo uma marcha, sinto a resposta do acelerador, e ele simplesmente responde com gosto, como apenas um carro que está com você a 10 anos pode responder, como que lembrando de tudo passaram juntos... e pedindo briga!

Você sorri de um jeito moleque e desafia o mundo: "IT´S ON, BITCH!!!"

Aniversário da família. 92 anos de força e resistência prometendo muitos mais. A cachorrada late, a família conversa de lembranças boas influenciada por uma cervejinha. Tudo culmina no fogo doido de uma canção de parábens milenar para uma senhora quase centenária!

O carro responde à primeira curva, o mundo desafia: "Bora lá?"

Fim do expediente, desce a serra, mas faz um caminho novo. Um amigo novo te mostra o mundo dele. A noite começa com os pensamentos que já me perseguem a tempos sobre "o meu lugar", sobre onde quero que um filho cresça, o que posso construir, o que é ilusão. Aaah, realidade, bela realidade! Linda pra quem sabe olhar. E azar de quem só sonha com as torres de marfim, porque a visão da minha janela é linda e simples.

Gente nova, balada muito diferente. Dança com passos certos: dois-pra-cá dois-pra-lá é muito diferente de um-um da techneira. Dança sem luzes piscantes que te escondem na multidão, só um salão grande com gente olhando, medindo, avaliando, jogando piscadas e cantadas à distância. Risadas e diversão. Dança de responsabilidade de mostrar sua imagem na frente de todos sob uma cadência precisa, matemática, mesmo que descontraída. Baah! Dane-se o motor 1.0 de quem não sabe dançar. Acelera, aprende rápido, segura na mão dela, dá risada dos seus erros e continua. É a identidade de quem tem coragem de testar o novo.

Nova adrenalina!

Da dança anônima para a dança com identidade.

O mundo pede gás, um metro de chopp, vinho, mais dança. Ela te agarra pela cintura e diz que te quer, te pegando desprevinido. Outras aparecem e falam coisas boas e ruins. Algumas boas sobre o lado ruim, outras ruins sobre o lado bom... você sabe... elas disparam a falar tão rápido como só elas sabem. Parece que você as conhece a vida toda. Tudo vai mais rápido, a janela agora é paisagem de borrão no meio da noite, curvas perigosas na deliciosa e atordoante velocidade. Faster than the speed of light, slower than the growth of a tree...

Neblina, segredos, experiências doidas.

E de repente, no meio da madrugada de uma quinta-feira, emergindo da neblina, depois de desviar de tantos caminhões sob curvas apertadas, o mundo dá um cavalo de pau logo na linha de chegada... sim, aquela placa de "FIM DO TRECHO DA SERRA"... logo minha vida volta com a outra placa avisando os horários do rodízio municipal. Apenas 4 horas pra dormir antes do meu começar, eu estacionar longe e chegar no trabalho com mochila nas costas e a pé.

Dançando pela Ibirapuera com meu fone de ouvido... dois-pra-lá dois-pra-cá...

Você olha pro mundo ficando ali no retrovisor, ainda desafiante. Mas nada pode te parar, é apenas um Pit Stop de trabalho e academia: "Me dá mais uma horinhas, mundo, e a gente racha de novo pra Maresias."

10/05/2009

Pelo direito de viver

Tem noite em que nada passa de um sonho, uma alucinação de verão (mesmo que quase no inverno).

Tem noite que tudo é alegria, que as saias das garotas são mais curtas, que a bebida subiu um pouco mais, que os amigos bradam cânticos distorcidos, desafinados mas muito alegres enquanto se abraçam e erguem cervejas em brindes malucos. Vikings em revelia!

Tem noite que você tomou uma cerveja a menos, apenas uma, e ficou sóbrio o suficiente para rir dessa visão com gosto, apreciar as saia curtas se levantado um pouco mais alto ao tentarem uma tacada ousada na mesa de bilhar, discutir filosofia com os outros sábios noturnos, cantar uma música romântica com um pouco mais de certeza para as gatinhas que passam por perto da sua mesa, sendo que depois de um tempo, algumas passam SÓ pra ouvir a musiquinha que você vai cantar especialmente pra elas (e claro, cada uma recebe uma diferente), nitidamente desviando do seu caminho natural para ganhar esse agrado...

Tudo é poesia, tudo é romance.

Amigos prometem planos de festas e viagens com o destino do "amor". Amigas riem maliciosamente sem entrar em detalhes. Desconhecidos da Índia te explicam sua cultura milenar. Seu amigo bêbado te abraça e confessa o quanto te ama. Desconhecidas jogam um sorriso escarlate após darem uma ajeitadinha no visual em frente do espelho.

Trombetas. Café num bar próximo apreciando o nascer do sol. Espetáculo divino enquanto debates "assuntos vitais" com os amigos.

Em casa, o sono dos justos!

06/05/2009

Minha Estrada

Peguei a estrada saindo de São Paulo, da capital de onde nasci e cresci, da efervescente capital onde seus habitantes são o próprio material consumido dia após dia. Sangue, suor e almas, mas sem lágrimas.

Assim que subi no primeiro avião (e foram muitos), aquela idéia surgiu nos meus sonhos mais negros... uma idéia sussurrada no meu ouvido várias vezes nos últimos estressantes anos.

Uma idéia de traição...

Pousei em Brasília, onde conheci os "candangos". Avenidas incríveis de altíssima velocidade, muita opulência, um museu gigantesco de prédios e construções imponentes para os deuses e anjos. Mansões e poder. Corrupção óbvia. Sujeira embaixo das unhas.

No seu underground achei paixões minhas como o Rock, festas no estilo Rave, mas tudo com uma pitada diferente do que eu conheço... uma mistura de mpb no meio do Rock, um techno samba... inspirador quando as mulheres dançando tem pernas tão maravilhosas e compridas quanto a maioria das candangas.

No grande museu, er... cidade da Gran Capital Brasilis, pensei pela primeira vez em sair de São Paulo, trocar o trânsito pela avenida acelerada, a vida paranóica violênta e apressada pelos jantares nos barzinhos espalhados em praças ou lagos. Mas algo estava errado ali...

Brasília não é "cidade".

Adorei o lugar e as pessoas, mas é artificial demais. Projetado demais. Estranho demais.

Na igreja mais exótica do mundo, me despedi de Deus mais uma vez e segui meu caminho: bêbado como eu e eles, ao som de uma boa rave pela noite, seguindo o Cruzeiro do Sul para Asa Norte.

"Mas e se São Paulo tivesse um trânsito fluido assim, se a noite tivesse mais guitarras com o sorriso brasileiro deles." - sussuro.

Mais uma vez levantei voo. Cheguei em Vitória, no Espírito Santo. Brinquei a vida toda que a capital do ES devia se chamar Empate, porque ninguém jamais ouve sobre eles, bem ou mal, mas tem um índice de qualidade de vida incrível. Como assim? Fui lá checar...

O povo lá é assim, sossegado, gozador, amigo. O lugar é lindo, acho que a cidade (as cidades, pois acabei descobrindo Vila Velha como a continuação óbvia) deveria estar no dicionário do lado da definição de lindo. Calmo, tranquilo, até a mulecada curte ir pra casa cedo do que varar a madrugada na balada. Acordam cedo para ir para as praias isoladas e paradisiacas ao norte e sul.

Povo calmo, aonde eu sentava, logo estava conversando com um capixaba. Gente tranquila, cheio de piadas quase inocentes. Rico ou pobre, sozinho ou em grupo, o capixaba te recebe bem. Lindas mulheres, lindas praças, lindo mar, lindos restaurantes, lindas marinas, lindas praias isoladas, e cidades esculpidas para serem agradáveis para seus moradores... lugar espetacular. Moqueca incrível. Chocolate maravilhoso. Tranquilidade inexplicável e contagiante.

"É aqui, se você quiser" - e acabo vendo imóveis nobres mas a preços dignos da periferia de São Paulo... sim, mais uma vez minha cidade voltava à minha mente e se comparava. Em sua grandeza, em sua força, em sua necessidade de acelerar e apertar um pouco mais pelo progresso. Paulistanos, filhos de emigrantes e imigrantes, seja Japão, Itália, Bahia, etc, etc, etc, somos filhos daqueles que vieram com objetivo de mudar de vida e crescer... São Paulo é assim também.

Mas se eu pudesse trazer aquelas praças com quadras de esporte e parques por todo o lugar para São Paulo, seguras, tranquilas, movimentadas o suficiente para sociabilizar, recompensas do dia árduo, que estão em todo lugar para todo o povo, por um povo que cuida um do outro, e não que se mata... mas como?

Mas numa igreja construída em 1535, no alto do morro com uma linda visão (Vitória), agradeci a Deus a oportunidade e fui-me embora mais uma vez, seguindo meu fiel Cruzeiro do Sul pelas estradas que levavam das lindas praias isoladas para o ponto de ôni... er, aeroporto de Vitória.

Finalmente, o avião chegou na cidade rival à minha megalópole querida: Rio de Janeiro.

E que visão... aliás, visões! Não consegui parar de deixar o queixo cair no Rio. Como pode uma cidade tão grande conversar com tanta natureza? São elfos esses cariocas? Como pode o mar ser tão grande? Como podem as pedras que fazem os morros serem tão majestosas? Como pode tanto concreto moderno crescer sem destroçar tanto verde? Como pode a praia calma e linda ser tão próxima da vida humana intensa, espinhuda, violenta e atarefada?

"Jesus," - eu perguntei, já que ele virou meu guia nessa cidade incrível lá do morro - "porque São Paulo não é assim? Natureza e concreto! Sua obra e a nossa juntas em harmonia! É perfeito!"

O trânsito uma hora me incomodou, mas virei e fui pra praia e pronto. Do Mirante do Leblon, vi a lua refletindo num mar interminável e virei um com o universo. No Arpoador, em Copacabana corri pelo calçadão com meu fone de ouvido, cruzando mulheres como as que se escondem nas academias em São Paulo, e vendo pescadores e mergulhadores se divertindo. Pra que tanto, no aeroporto já tinha visto uma regata de final de semana, e surfistas logo após a curva da garota de Ipanema.

Tanto para se fazer...

E na Lagoa, shows de fogos. Em Ipanema, cafés tranquilos com visão para as meninhas que desfilam pela calçada para entrar numa balada cheia de Paparazzis na porta (e policiais que vieram exibir seus fuzis enquanto olhavam para as pernas das mesmas meninas). Som para vários gostos misturado com um MPB malandro e safado. Mensagens sacanas de maneira romântica. Não sabe poesia pra jogar numa cantada? Ouça a música e ande na praia que cedo ou tarde você se solta.

E então você sobe no Morro dos Prazeres para chegar no Cristo. Almoço num restaurante alemão com um digno alemão bêbado, se hospedando com uma australiana, cruzando franceses, canadenses, gaúchos e paraíbas... e vê a visão do Cristo, com o Maracanã bombando em dia de clássico. Cidade Maravilhosa. Esplendorosa.

Chega, ela está me enganando. Estou na área dos turistas. Vou pra Barra, vou pra Praia do Pepê, Prainha, Grumari, Obricó, Jacarépagua, Pedra da Gávea, Flamengo, Botafogo, Jardim Botânico, passo pelos estádios do Pan que vão vir a sediar Olimpíadas e Copa... tudo incrível, sempre casando a natureza tranquila com a cidade populosa.

Não pode ser! A violência! Sim, a violência estraga tudo, certo? Não... não é. Cruzei várias favelas no caminho, mas não é assim, existe algo estranho...

O carioca incorporou sua violência (como nós, paulistanos, com a nossa). Ele consome com gosto a droga que o traficante vende. Torna o burguês mais malandro. O traficante mantém uma cidade em sua favela, como qualquer cidade que cresce ao redor de uma indústria. Torna o malandro mais burguês. E a polícia faz vista grossa (arregada e com medo de trocar tiro subindo o morro).

A paz reina nessa estranha harmonia. Balanço de forças que não parece possível coexistir.

Mas assim como pode terminar em tragédia se algum lado entrar em desequilíbrio, talvez como uma guerra de traficantes e suas balas perdidas, ou com socialites tacando ovo no povo em Copacabana provocando um arrastão, parece que a existência dessa harmonia é a prova de que todos lados querem viver numa boa e aceitariam um diálogo... talvez com um bom prefeito...

O Rio é lindo. Me curvo, calo a boca, e retiro o que disse no passado.

Mas não é uma cidade tão grande. Não o suficiente para poderem me fornecer uma solução. Sua balada fecha cedo demais para poderem ir à praia. Seu forró chama funk mas existe ali, naquele canto específico daquele morro. Ótimos shoppings, mas poucos. Sua vida de cidade grande tem um "quê" de caipira. Na seu espetacular jeito de viver buscando tranquilidade, fugiram demais de respirar de verdade a essência da "cidade". Digo adeus a seu Cristo, mas ainda não é isso...

Sozinho, volto à megalópole paulistana. De cima, percorrendo por vários minutos uma cidade interminável até o aeroporto, percebo o que embaixo costumo estar imerso demais para perceber: mar de prédios, modernos, vivos, ativos, impressionante!

Se ficar velho, derrubamos pra colocar um prádio maior e melhor. Se for favela, em poucos anos será um novo mar de prédios de altíssimo nível. As luzes vermelhas dos infinitos carros pulsam pelas suas intermináveis vias como sangue em suas veias. Força viva, atraindo mais trabalho, mais progresso, numa velocidade inversamente proporcional ao seu trânsito. Impressionante, infinita, impossível de ser parada ou copiada.

Insubstituível.

O sussuro se transforma em assobio.

Minha traição se transforma em contribuição. Fui espião atrás dos segredos dos outros. Fui achar novas coisas para trazer para minha megalópole querida, e não meios de fugir. Querendo achar algo novo, achei a mim mesmo, por pura comparação.

Agora, devo aumentar a natureza em nossa vida, aprender a curtir os frutos de nosso progresso, dar um tapinha nas costas de outro paulistano para que ele possa se soltar um pouco e aproveitar sua merecida recompensa, seu caminho bem trilhado, que ele já chegou, que ele já conseguiu, mas que sua velocidade incrível não o deixou perceber.

Gritemos "PARABÉNS, PAULISTANO!", vamos construir nossos mirantes em arranha-céus imponentes para que possamos ter visões majestosas dessa cidade incrível e curtir visitantes ficando bestificados com nossa beleza também. A maravilha que é a vontade humana de fazer, e que nós personificamos. Faz bem pro ego e nos dá mais força ainda, acredite. E então, vamos aprender a dar um tempo para descanso, a fazer reunião de negócios produtivos em barzinhos e cafés, gerar nossa música apressada que conta sobre essa vida com privilégios e problemas anos-luz do resto do Brasil.

E vou descobrir como ou morrer tentando. Nós somos o gigante por natureza do país.

E todos os paulistanos nesse momento me odeiam por perder tanto tempo com ataques ufanistas... mas só paulistanos podem compreender isso.